Destruindo Mitos: Satanismo Moderno de LaVey
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A generalização
Sem dúvidas, grande parte dos mitos acerca do Satanismo surge por conta da vasta generalização que ocorre sob esse termo. É comum que os leigos, criados desde berço em um corpo religioso-filosófico dogmaticamente fechado que se autointitula a única verdade e salvação, fechem os olhos e ouvidos para culturas externas, especialmente quando carregam o nome do maior super-vilão de sua tradição. A palavra assusta, e isso é suficiente para que eles não busquem informações sobre o tal satanismo. Ao invés disso, automaticamente atribuem a ele o significado de sua própria tradição. Consequentemente, o satanismo como um todo acaba ganhando rótulos negativos, mesmo tratando-se de um termo genérico. É verdade que grande parte das acusações dos leigos podem ser factíveis no que diz respeito a algumas vertentes satânicas em específico, porém, não o são para outras.
Existem vertentes satânicas teístas, que acreditam na existência de Satã como entidade viva, real e participante do nosso mundo, embora, dentro desse “nicho” satânico, existam outros “subnichos”; alguns vão ver Satã como um espírito rebelde que se opôs ao tirano criador e que agora guia os “iluminados” para o mesmo caminho; outros vão enxergá-lo da mesma forma que os cristãos, no geral, o enxergam (uma força maligna que se opõe ao bem), só que ao invés de repreendê-lo, o adoram, sabe-se lá o porquê.
Todavia, existem, também, vertentes ateístas¹, que enxergam Satã como um símbolo, um arquétipo, apegando-se à etimologia da palavra — opositor, do hebraico. Assim como nas vertentes teístas, o lado ateísta do satanismo também é, por si só, nichado, contendo até rivalidades entre Igrejas por conta das diferenças em suas filosofia. Dessa forma, afirmar que satanistas cultuam o mal é a mesma coisa que afirmar que cristãos saem na rua às 6 da manhã batendo na porta dos outros, ou que cristãos acreditam que Jesus é um alienígena de outro planeta que foi enviado para a Terra igualzinho o Superman.
Adoração a Satã e culto ao mal
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Acredito que uma lida no primeiro tópico deste artigo já é o suficiente para entender a adoração a satã não é algo que engloba todo o satanismo. Todavia, já que estamos tratando da vertente laveyana, a mais famosa, vamos nos aprofundar neste assunto.
É normal que o termo “satanismo” sofra uma simplificação, visto que, se o cristianismo é a religião que adora Cristo, satanismo é a religião que adora Satã, correto? Errado. Como eu disse, essa é uma simplificação da palavra “satã”, que a limita ao conceito cristão de satanás; entretanto, ela é muito mais do que isso. Como dito no tópico anterior, a palavra satã, no hebraico, significa “adversário” ou “opositor”; partindo desse significado, examinemos a palavra “satanismo”. já sabemos o significado de “Satã”, mas o que significa “ismo”? Segundo o Dicio, um dicionário online de português, esse sufixo significa “Ciência, doutrina, conjunto de ideias, predisposição ou propensão; {…}”; partindo deste significado, podemos entender “satanismo” como um conjunto de ideias opositoras, mas opositoras a quem, exatamente? Ao cristianismo? Em essência, não, os satanistas laveyanos não se opõem ao cristianismo no sentido de pregar a sua destruição como muitos pensam; pelo contrário, dentro da lógica da religião, a existência do cristianismo é benéfica para eles. Mas afinal, a que exatamente os satanistas laveyanos se opõem? Resumidamente, à tirania e à escravidão do eu, mas para melhor desenvolver isso, precisamos dar uma olhada no contexto histórico que rodeia a origem da religião sinistra.
O satanismo é concebido na década de 60, em uma América extremamente conservadora — nas aparências, pelo menos. Anton Szandor LaVey, fundador da Igreja de Satã, era, dentre outras coisas, um pianista; aos domingos, na parte da manhã, ele tocava piano na Igreja; na parte da noite, tocava em um stripclub. LaVey notou algo curioso: os mesmos homens que estavam na Igreja, na manhã de domingo, com suas esposas e filhos, também estavam no stripclub, à noite, torrando o dinheiro com prostitutas. Anton percebeu, então, que as religiões, especialmente as abraâmicas, nada mais eram do que uma ferramenta de castração do homem, que aprisionava o seu verdadeiro Eu, suas verdadeiras Vontades. Tomando isso como motivação, LaVey fundou o satanismo; mas por que ele não usou um nome mais tranquilo? Mais digerível para a massa? A resposta é: simbolismo, fantasia e teatralidade. Ora, se Deus representava a tirania, Satã representava o oposto, a liberdade, a oposição ao tirano. O problema é que, a essa altura, já existiam muitos grupos que diziam se opor ao cristianismo, mas eles não tinham o que o satanismo tem: a fantasia e a teatralidade. Sendo assim, LaVey utilizou de arquétipos sinistros e blasfemos propositalmente, para atrair atenção e espalhar a sua mensagem libertária. É por isso que o Batman anda por aí vestido de morcego ao invés de um traje tático padrão.
Ateísmo
Saindo um pouco da crítica cristã ao satanismo, iremos discorrer acerca das críticas que essa religião recebe de grupos um pouco menos dogmáticos do que o cristianismo. Isso inclui praticantes de religiões pagãs e de tradições esotéricas, no geral. Uma das principais críticas que o satanismo recebe nesse contexto é o fato de se declarar uma religião ateísta; mas será que o satanismo é, de fato, ateu? Se sim, como se configura esse ateísmo? Vamos ver.
Como dito anteriormente, o satanismo de LaVey se declara como ateísta. Entretanto, ao adentrarmos mais profundamente nessa religião, veremos alguns detalhes interessantes, que separei em pontos:
- Acreditam em Magia
- os satanistas acreditam na existência da Magia, praticando-a, inclusive. Eles acreditam que existe uma força oculta que permeia o universo, e que pode ser manipulada pelo homem, a fim de obter benefícios próprios. Tal crença é estranha aos tipos mais comuns de ateísmo.
- Possuem um conceito de Deus
- ao ler os textos de Morbitvs Vividvs, que é, ao lado de Lord Ahriman, o principal autor de satanismo no Brasil, encontramos descrições de um ser transcendental, eterno, que tudo engloba e tudo engendra, chamado Baphomet, o bode no símbolo da religião; Morbitvs afirma que Baphomet é cabalisticamente idêntico ao Ain Soph Air da Kabbalah judaica; traduzindo para os leigos, Ain Soph Air é basicamente DEUS. Além disso, ao investigarmos o site da Church of Satan, encontraremos uma explicação do porquê de usarem o símbolo do bode. É evidente que o motivo principal para isso é a afronta ao cristianismo, já que o bode foi (e ainda é), por muitos anos, associado ao diabo. Todavia, o significado do bode no selo da Church of Satan foi evoluindo com o passar do tempo, e em seu site, encontramos um desses significados; a Church of Satan afirma que a escolha do bode deve-se ao deus egípcio Amon, uma divindade com cabeça de caprino. A palavra “Amon” significa “o oculto”, e a Igreja afirma que essa divindade representa bem a “força oculta que permeia o universo”. Se você já leu o Corpus Hermeticum, de Hermes Trismegistus, deve saber, a depender da edição lida, ou se pesquisou mais a fundo sobre os textos, que o Deus com quem Hermes conversa é o próprio Amon; detalhe: o Corpus Hermeticum foram textos muito apreciados por cristãos em tempos remotos. Que coisa, não?
Mas se o Satanismo concebe a existência de um DEUS e acredita em Magia, por que se intitulam ateísta? Porque, para eles, esse DEUS é indiferente aos humanos; para ele, somos apenas mais algumas minúsculas pecinhas do grande quebra-cabeça cósmico; Ele originou tudo, e nós, por sorte ou azar, viemos à existência, mas não somos mais especiais do que um parasita fétido. Para os satanistas, essa é a nossa única e valiosa vida. Não há antes, nem depois dela, somente o vazio; por isso, buscam valorizar e construir uma vida próspera, prazerosa e feliz nesse pequeno intervalo que lhe foi dado; nesse ponto, o satanismo se assemelha ao estoicismo. O que pode parecer uma organização criminosa em um primeiro momento guarda, na verdade, um grande apreço e valorização pela vida.
Sacrifícios
Sem dúvidas, a coisa mais associada ao satanismo pelo imaginário popular são os sacrifícios animais e humanos. Os próprios autores do satanismo laveyano não negam a existência de indivíduos que “matam em nome de Satã”, embora eles não aprovem esse comportamento.
Como dito anteriormente, o satanismo valoriza muito a vida, pois para eles, essa é a única que temos. Além disso, essa é uma religião que preza muito pela individualidade. O satanista vai sempre buscar o melhor possível para si e para sua família. Embora individualista, na maiorias das vezes, a manutenção da sociedade e do bom convívio social, apesar de serem pautas coletivistas, são adotadas pelo satanista, pelo simples motivo de que uma sociedade saudável e pacífica é muito mais vantajosa para ele. Ainda sobre a busca do melhor para si, convenhamos que simplesmente não faz sentido cometer crimes se você acabar parando dentro de uma cela podre e cheia de doenças, passando fome e frio. Como os próprios satanistas falam: eles não são estúpidos, portanto, acusações como essa não passam de histeria coletiva.